domingo, 6 de setembro de 2009

a sinestesia e o teatro



Muito se tem feito em teatro no litoral paulista, montagens, pesquisas, festivais. Mas até que ponto esse trabalho todo expressa nossa identidade? Sabemos, ao menos, qual é nossa identidade cultural e por que é tão importante expressá-la? Ou por que é tão enraizada em nós a crença de que o que vem de fora é melhor? Conscientes dessas reflexões procuramos formar um teatro de base que expresse nossa ancestralidade e a misture à nossa contemporaneidade, que reflita o caráter universal de nossa regionalidade. Nosso intuito é formar as bases para uma vanguarda teatral que reflita um mundo infinito, pessoal, que veja o homem não apenas pelo que aparenta, mas que o mostre por dentro de seus pensamentos e emoções, interligado à tecnologia de ponta e continuado a partir de um eu primitivo. Estamos empenhados em um teatro que valorize mais as perguntas do que as respostas. Um teatro que una a filosofia à música, a fotografia à literatura, a emoção do ator ao questionamento da platéia. Um teatro que possibilite o cinema pular das telas e descer ao palco.

Assim, entrelaçando diferentes linguagens artísticas, a montagem possibilita com que os limites entre palco e platéia ganhem novas dimensões, onde o público passa a perceber a peça pelo interior das personagens.

Cada elemento do presente trabalho tem uma ou mais linhas de interpretação.

Na dramaturgia o texto está divido em dois planos distintos: o real e o mítico. O plano real é o texto em si, onde as ações acontecem e as personagens interagem. O plano mítico pode ser observado nos momentos que refletem as alucinações e os sonhos, alguns deles representados nas cenas do balcão de Romeu e Julieta. Eles aludem ao plano mítico da história onde Lilith, após ser expulsa do paraíso, apaixona-se pelo anjo Gabriel e começa a seduzi-lo em sonhos. Como punição, Deus os lança à terra em forma humana. Sem a memória de suas vidas passadas, vagueiam pelos dias atuais até se encontrarem; enquanto Lilith permanece no mais completo desprezo, Gabriel se apaixona imediata e perdidamente. O amor o enlouquece até que leva adiante seu derradeiro plano: seqüestrar o objeto de seu amor. Assim, temos o texto em si e uma espécie de ante-texto. O primeiro liga-nos ao real, ao consciente, e o segundo nos remete ao mítico, ao inconsciente.

Na interpretação procuramos criar uma divisão entre o plano real da peça e seu plano mítico através de linhas diferenciadas de atuação. No plano real procuramos atuar numa linha de naturalidade, com gestos pequenos, próxima à linha de interpretação dos atores no cinema. Através de câmeras ao vivo capturamos as expressões faciais dos atores e as projetamos em uma tela no fundo do palco, possibilitando ao público a análise detalhada das emoções e intenções dos atores. Nas cenas que representam o plano mítico optamos por uma linha exageradamente teatral, com gestos amplos e profundos, carregados de dramaticidade. Acreditamos que o trabalho do ator é expressar através do que ele é o que suas personagens são, como um instrumento que o músico utiliza para expressar sua música. Dessa maneira, o distanciamento ganha nova interpretação, pois o ator não é a personagem que representa, porém deve trazer de sua memória, inteligência e sensibilidade os dados para lhe conferir verdade suficiente para que o público também a sinta.

A fotografia e o vídeo serão utilizados para mostrar as cenas que ocorreram e não constam na peça, bem como o cenário de cenas contextualizadas no presente e os pensamentos, as memórias e as emoções das personagens. Procura-se provocar uma imersão nas imagens que ora pulam da tela ao palco através dos atores, ora levam ao público as imagens mais profundas do “eu” das personagens.

Do circo trazemos o trapézio e o tecido para ilustrar o mundo dos sonhos que remetem à vida passada das personagens.

A música é responsável pela ambiência da peça, ora sendo executada ao vivo por músicos, ora pelas mãos do personagem Gabriel e ora em gravações.

Nossa intenção ao misturar diferentes linguagens artísticas é provocar um fazer teatral sinestésico e reflexivo.